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domingo, 14 de junho de 2009

O meu dia começou

O meu dia começou, como tantos outros, na alvorada. Sinto o jardim a despertar nas rosas do meu canteiro. Invariavelmente olho o céu antes da sair, na esperança que hoje não chova. Pura ilusão, as nuvens atacaram em força o céu, supostamente azul, ensombrando-lhe a cor. Detesto os dias cinzentos em que até a minha rua fica diferente. Por mim os dias seriam sempre azuis ( isto se eu mandasse claro!) E sigo o meu dia cinzento, só, como em todos os dias azuis.
Afinal nada muda! A cor não altera a minha solidão, atenua-a, isso sim.
À noite, bem no fim do dia, ainda ouso olhar a lua. Pacifica-me a sua luz e suspeito que conhece o meu destino. Eu não! Desisti de o procurar, sei que ainda vivo de saudades construídas por tudo aquilo que queria esquecer e não posso. A tua ida abalou-me e nunca mais encontrei o amor. E todas as noites adormeço pedindo para me esquecer de ti.

sábado, 13 de junho de 2009

Cheguei a horas

Cheguei a horas. Estão mais duas mulheres na sala de espera, não falamos, vamos pousando, à vez, as revistas ultrapassadas que já lemos e relemos. Olho de soslaio as suas barrigas enquanto afago a minha, bem maior. Sinto um forte pontapé que me faz sorrir enquanto faço outra festa.
Chegou mais uma mulher, de rosto duro e um grande saco. Os nossos olhares viram-se instintivamente para a recém-chegada que nem nos cumprimenta. Nota-se inquietude no seu semblante. Deve ser o seu primeiro filho entreolhamo-nos complacentes. Remexe no saco, uma e outra vez, enquanto pega e larga as revistas que cuidadosamente alinháramos sobre a mesa. Senta-se e levanta-se indecisa. Excluimo-la do grupo. Subitamente afunda as mãos no saco donde retira uns tubos, uns fios e um relógio.
Olhamos de soslaio com um interesse comedido. Imediatamente nos apercebemos da loucura do seu acto. Sinto frio, tenho de sair. Pensámos o mesmo em sintonia levantando-nos de olhos postos no artefacto.
"Sentem-se" gritou
"Ninguém sai! "
E nós obedecemos, instintivamente, agarradas à barriga que afagáramos.

Despeço-me assim de ti por não ser capaz de o fazer de outra forma.

"Despeço-me assim de ti por não ser capaz de o fazer de outra forma.
Acredita que passei por momentos de hesitação.
Gostaria de partilhar esta aventura contigo, mas não seria capaz de te impor tal desafio.
Sentirás a solidão da minha ausência, mas ela fortalecer-te-á e certamente encontrarás o teu caminho, tal como eu o faço agora.
Até sempre!"
Pousei com insegurança aquele bilhete, que sabia ser curto demais. Imaginei a tua dor ao lê-lo mas nem isso me demoveu.
Fechei as duas malas grandes, olhei em redor e senti saudades de nós.Um suspiro soltou-se do meu peito mas foi abafado pela buzina do táxi. Não havia tempo a perder, o avião partia em breve. Um ultimo olhar e fechei definitivamente a porta.
O taxista aproximou-se arrancando-me as malas das mãos.
Partimos em silêncio, reparei que, de quando em vez, me olhava pelo espelho do retrovisor procurando respostas para a minha ausência. Não lhas dei. Ignorando a sua fixação inquisitória, virei a cara e o meu olhar, sem ver, percorreu todo o caminho entrecortado por silhuetas de árvores.
Parou o carro com brusquidão.
"Chegámos! - disse-me estendendo a mão - são 35€!".
Fiquei imóvel. "São 35€!! "- repetiu já irritado.
Procuro a carteira por todos os bolsos do meu fato e nada. Lembro-me de a ver... em cima da nossa cama, junto ao passaporte...
Talvez seja um sinal, pensei aliviado.
"Temos de voltar, por favor!"
Olhou para mim , com cara de poucos amigos e arrancou arrastando-me de novo.
O caminho soube-me a eternidade, ao chegar vi o teu carro, acelerei o coração e um frio intenso percorreu-me o corpo. Subi as escadas de rompante. A porta estava entreaberta e só os teus soluços cruzavam o silêncio.
Impeliu-me um abraço forte enquanto retirei suavemente o bilhete das tuas mãos trémulas.
"Deixa estar. Esquece! Eu não pensei. O meu caminho és tu, só agora tenho a certeza."

sábado, 9 de maio de 2009

Que belo dia este!

Uma chilreada frenética de andorinhas acordou-a cedo. Abriu a janela de par em par, olhou o ninho ontem vazio e sorriu. Já era tempo. Desceu as escadas e, pela primeira vez, desde há muitos dias, sentiu uma fome de sandes e café forte bem quente.Pegou no seu caderno preto e sentou-se no jardim. Voltora a sentir ganas de escrever e num impeto a caneta movimentou-se em várias direcções naquela folha branca:
"Hoje deitei fora todas as tuas memórias! Cansam-me, nada me dizem.
Hoje libertei-me de todas as coisas tolas que me deste.
Hoje as sementes já mirraram, os papéis amareleceram, as bonecas perderam a cor e todas aquelas pinhas que atearam o fogo da paixão se desfizeram.
Não sei do marca livros.
Perdi-o certamente no meio de alguma página a cheirar a mofo.
Detestava aquele mocho empertigado, nunca to disse, tal como detestava as molas com que prendias pela casa os teus versos patéticos.

Hoje é o princípio do teu fim."
Fechou os olhos e sorriu.
Que belo dia este!

segunda-feira, 30 de março de 2009

era um domingo como tantos outros

Era um domingo como tantos outros.
Laura subira no elevador panorâmico. Eu tenho vertigens. Cá de baixo vi-a subir, lentamente, até a perder de vista. O sol estava intenso e não me recordo de mais nada. Laura continuou a subida, munida da sua máquina fotográfica que, alegremente, disparava em todas as direcções. António era agora um ponto negro no chão. Nada mais. Deu umas voltas naquele arranha-céus, suspirou de felicidade e retomou a descida. O horizonte admirável. O sol intenso. A paisagem estasiante. Tentou encontrar António. Já não via um ponto, mas vários. António parecia ter-se multiplicado. Um ponto, intermitente, azul destoou desviando-lhe a atenção. Na aproximação os pontos metamorfosearam-se em silhuetas e a luz intermitente em ambulância. Estranho, pensou. Procurou entre as silhuetas o rosto de António mas estavam todas debruçadas sobre alguém que jazia no chão. E o elevador, lentamente, a deslocar-se. E Laura, rapidamente, a descontrolar-se. A sentir-se claustrofóbica e a não tirar os olhos daquele corpo. Que era o meu. Por fim chegou ao solo, as portas emperraram e teimaram em não abrir. O suor a escorrer-lhe do rosto e das palmas das mãos que fincava contra os vidros. Eu aqui, imóvel, no chão. Ela ali, impotente, por detrás daquele vidro. Finalmente o botão de emergência accionado e do lado de fora alguém abriu as portas. Laura correu na minha direcção, atropelando tudo e todos. Eu permaneci imóvel, mesmo quando me tocou. Ouvi os seus gritos e todos os sons do seu choro quando a agarraram. Momentos antes de correrem o fecho éclair deste saco preto.

segunda-feira, 16 de março de 2009

era um fim de tarde

Era um fim de tarde (ou antes um fim de dia). Estávamos debaixo da terra (bem não propriamente mas quase). Todos dentro de um metro (não um metro de medir, mas um metro andante de metal) atafulhado de gente (ou melhor de pessoas).
Subitamente as portas abrem-se (não foi propriamente de repente, o metro abrandou primeiro) entra um homem carregado de notas (não de notas musicais, mas sim de notas a sério, dinheiro mesmo e é certo que não estava carregado, as notas não pesam assim tanto, era uma mão cheia, quando muito, o que já não era pouco) e começa a oferecê-las em voz alta (não era ele que era alto, mas sim a voz, há que precisar, precisar de precisão e não de ser preciso/necessário). Adiante...
Entreolhámo-nos, sem um pio (não que algo piasse porque é óbvio que no metro não há pássaros) ou seja, ninguém se manifestou (de manifestação). O homem, cada vez mais irritado (de irritação mesmo) começa a insultar-nos de pobretanas (não de "pobre o tanas", mas sim de pobrezinhos que não têm onde cair mortos, esta ultima parte não é a sério é só uma força de expressão).Adiante, mais uma vez...
Como ninguém aceitou a oferta, ele vai e espeta com uma nota no chão (não é espeta de espetar porque as notas são moles e não se espetam, é espeta de atirar) e saiu de cena (que é como quem diz saiu do metro, na estação claro, que ele podia ser doido mas não era parvo).
Dentro da carruagem (não carruagem daquelas puxadas a cavalos, mas sim carruagem de ferro movida a electricidade), as pessoas não tiram os olhos da nota (tirar os olhos não é bem, é mais um olhar fixamente) mas todos disfarçam o desejo, como manda a boa educação (isto pensei eu, mas adiante...) de súbito (ou melhor, de imediato) uma jovem adolescente (daquelas quase, quase adultas) levanta-se e apanha a nota (não é apanhar de levar tareia, isso não faria sentido, é apanhar de agarrar) e todos nós esboçamos um sorriso concordante (do verbo concordar).
Paragem seguinte e agora entra um pedinte (daqueles que pedem mesmo a sério, não que alguns peçam a fingir, mas percebem o que quero dizer. Dizer não. Escrever).
E, instintivamente, todos desatámos a rir (de riso mesmo) enquanto que a adolescente esboçava um gesto de pena (não de pena de ave, mas sim de compaixão. Não é "com paixão" mas é parecido, agora não me apetece explicar mais)
Subitamente todos nós (não nós de noz, antes a gente. Não agente da policia, vocês percebem, não percebem?) adivinhámos o que ela pensava e instintivamente abanámos a cabeça (não é bem abanar é mais movimentar de um lado para o outro). Perante tal manifestação (não era um comício), ela resolve conter o gesto e lá se foi embora o pedinte todo irritado. (cheio de irritação mesmo) por ter falhado o objectivo (isto se é que pedir é um objectivo. Eu acho que sim, sinceramente com toda a sinceridade).
E pronto cheguei ao fim, mesmo no final da história (Finalmente!)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

onda que bate forte

onda que bate forte
ou traz sorte ou pode a morte
Era um daqueles dias, sem inspiração. Sofia olhava para a folha em branco e nada. Tinha um prazo para cumprir e a redacção fechava em breve. Pegou no carro e dirigiu-se para junto do rio. Estava um dia desagradável, frio, chuvoso. Não se via vivalma. Estacionou e pôs-se a observar as gaivotas sôfregas de mar que, não temendo as vagas, procuravam capturar desnorteados peixes. Um pequeno carro vermelho aproximou-se do seu e parou. Sofia vislumbrou, curiosa,por entre os vidros embaciados, o vulto de uma mulher. Ficaram lado a lado impassiveis. Sofia com o pânico da folha branca, a mulher do carro vermelho com outro pânico qualquer. Subitamente o pequeno carro acendeu as luzes, iniciou a marcha, acelerou a fundo, precipitando-se sobre o rio. Sofia,incrédula, tentou sair do carro, debatendo-se com o cinto de segurança, correu na direcção do rio, debruçando-se a medo. O coração disparado viu o carro a afundar-se lentamente. Atirou-se, sem pensar, naquela água escura e gelada. Naquele caixão metálico a mulher lá estava, paralisada pelo medo. A custo Sofia içou-a pelos braços sem oposição. Permaneceram juntas chicoteadas por furiosas vagas. Sofia julgou morrer de frio e de medo quando uma onda gigante se dirigiu na sua direcção. Fechou os olhos e deixou-se levar apertando o corpo hirto da mulher imóvel.
Pelas 19h os noticiários abriram com a notícia: "Sofia Castanheira, jornalista da TVI, faleceu com 30 anos de idade, ao tentar salvar uma jovem de 20 anos. A jovem encontra-se nos Cuidados Intensivos mas o seu estado não inspira cuidados."

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

dejá vu

Joana empalideceu, deixando cair o telemóvel de André. As lágrimas escorrerram-lhe pela face. Deixou-se cair na cama, sem alento, com o coração disparado. Automáticamente baixou-se para apanhar o telemóvel e tornou a colocá-lo exactamente no sítio onde o encontrara.
A água do banho parara de correr ao sabor das palavras que lhe martelavam a cabeça. "Estou grávida! Um beijo Meu Amor!"
Levantou a cabeça e viu-se reflectida no espelho do psiché, mais feia do que alguma vez fora. Estava gorda naquela camisa de noite de flanela grossa por debaixo do roupão de nylon, soterrado de borbotos. Nos pés as meias grossas de cor berrante que comprara em saldos.
André apareceu cheiroso, embrulhado numa toalha, deu-lhe um beijo na testa:
-Olá bébé!.
André, 50 anos, alto, corpo ainda atlético, sempre bem vestido, gerente bancário. Joana, 39 anos, baixa, forte, complexada, de aspecto desleixado, dona de casa.
No quarto, sempre num brinco, pululavam tapetes de diferentes tamanhos e padrões que ocultavam parcialmente o chão, polido dia sim, dia não. Os naperons de crochet, cuidadosamente embebidos em goma, protegiam os móveis dos riscos dos bibelots.
Hoje não havia pequeno almoço cheiroso porque o mundo desabara antes das 7h da manhã.
André já parcialmente vestido, olhava de novo Joana, sentada, imóvel na borda da cama. Algo de errado se tinha passado. A medo agarrou no telemóvel e apercebeu-se imediatamente do que acontecera. Leu de soslaio as mensagens e explicou na sua voz mais terna:
-Bébé, só pode ser uma brincadeira, não conheço ninguém com este nome. Juro-te pela alma da minha mãezinha!
Joana não o ouviu, na mão apertou o teste de gravidez que, abruptamente, enfiou no bolso do roupão.
André tentou falar mas a voz não cedeu, insistiu e num impeto confessou:
-Já te devia de ter contado, mas tu estiveste doente tanto tempo naquele Hospital, que numa das visitas, já lá vão 5 anos, conheci uma pessoa. Juro-te que ela não significa nada para mim. Eu nem quero ter filhos, lembras-te? Isto foi a gota final. Acabou de vez! És a mulher da minha vida!
Joana continuou, imóvel, a olhar o espelho do psiché. Acariciou o bolso e não impediu que uma nova lágrima traiçoeira se esgueirasse. Num impeto correu para a porta da rua e saiu. Chovia torrencialmente, naquele dia de Inverno. A chuva colou-se-lhe ao corpo torneando aquelas formas que há anos procurava ocultar, em vão. Continuou a correr até as pernas fraquejarem junto ao mar. Deixou-se cair em desalento na areia molhada e aninhou-se olhando as vagas. Sentiu calor a sair do seu baixo ventre e desmaiou.
Acordou numa cama de hospital. Percebeu tudo, na troca de olhares tristes da sua avó que lhe afagava a mão com tanto amor.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O meu nome é Fish

O meu nome é Fish. "Bué de fixe" para o meu dono.
Vivo aqui nesta água que, de vez em quando, ele se esquece de mudar.
Ainda bem que ontem foi dia de lavagem... esta coisa de ter de andar aqui às voltas já é um sufoco e sem conseguir ver nada para fora imaginem...
Aquela gata, ranhosa, que está ali é a Mathilde e aquela cadela, pindérica, é a Buhh.
Estão muito amiguinhas para o meu gosto.
Estão a tramar alguma.
Ok. Estão a olhar para mim!!!!
Tenho de disfarçar.
Mais uma voltinha lá,lá,lá...
Meu Deus! Agora juntou-lhes a outra gata rafeira que tem nome de cão, a Odie.
Isto não vai correr bem...é melhor dar outra voltinha e disfarçar, lá,lá, lá...respirar fundo...
Acho que estou a hiperventilar!!!! Vou fazer bolhinhas! Glu, Glu, Glu...
Bolas!!!!
Estão a aproximar-se e não gosto do ar ameaçador...
Eu não disse que esta cadela é mesmo estúpida? Em vez de andar atrás dos gatos, vem atrás de um peixinho inocente como eu? Ela nem gosta de peixe!!!!!
Subitamente ouve-se um Dling, Dlong. Do outro lado da porta alguém grita " Correio!" A cadela começa a ladrar e as gatas,assustadas, partem o jarrão chinês.
Safa! Escapei de boa. Benditos CTT!
Agora quero ver a reacção do meu dono quando entrar na sala.
Ainda bem que estou aqui às voltas dentro de água...
Eu não fui!

sábado, 20 de dezembro de 2008

o encontro

Joana sempre fora forte mas aquela notícia abalou-a. Ao fim de tantos anos de casada Maria dissera-lhe na cara que se ia divorciar. Ficou perplexa. Sem palavras.
-Pensa bem. É um passo muito importante. Tens uma família inteira que depende de ti.
Mas Maria estava decidida, o rosto frio e branco, os lábios afilados.
-Joana é a única hipótese. Não aguento mais! Sempre pensei ficar casada para o resto da vida mas este casamento é uma farsa há muitos anos. Eu é que não vi antes.
Joana tentou controlar o rosto estupefacto por tanta certeza.
-Mas como é que isto aconteceu? Casámos no mesmo dia. Somos amigas há quase 30 anos. Os nossos maridos saem tantas vezes juntos...
A frase ecoou-lhe na garganta. Seria uma amante? Sim só podia ser. E se era será que nessas saídas...Não! O seu marido nunca lhe faria isso! Será que não? Agora que pensava nisso...se o dela era uma jóia o fez...o seu...optou por ficar calada, as rugas de expressão acentuaram-se. Nunca tinha pensado tal coisa.
Olhou para Paula pedindo ajuda. Paula ostentava um sorriso pérfido.
-Ele nunca me enganou! Eu sabia que um dia isto ia acontecer! Nunca vos disse porque não me iam ouvir. E tu Joana és a próxima!
O semblante de Paula ia-se alegrando à medida que estas farpas eram disparadas em todas as direcções.
Joana fitou Maria aterrorizada.
-Como podes dizer isso se és nossa amiga ? Devias apoiar a Maria neste momento difícil.Que história é essa de que serei a próxima? O meu marido ama-me. Tenho um casamento feliz. Estável. Filhos maravilhosos.
Paula abanou a cabeça
-Vocês casadas são todas iguais, tapadinhas até dizer chega. Meu Deus! Nunca desconfiaste dos serões do teu marido? Das alterações de visual dele? Das idas ao ginásio? Da troca de carro por um descapotável? Dah!!!!
Paula era executiva e após um namoro de 7 anos, tudo acabara a dias do casamento. Tornou-se dura e frontal. Embora sabendo que podiam contar com ela, Joana e Maria sentiram-se desfalecer.
Os olhos agora lacrimosos de Maria não a demoveram.
-É bem feito! A culpa é vossa! Vocês vivem dedicadas a um homem e é o que dá! Olha para ti Maria! Há quanto tempo não vais ao cabeleireiro? E tu Joana? quantos quilos engordaste no ultimo ano?
Maria soluçou
- Pára! Estou farta da pessoa amarga que tu és! Tu não és amiga! És uma vibora! Nunca amaste ninguém!
Joana abraçou Maria e lançou um olhar de reprovação a Paula:
-Francamente, ultrapassaste todas as marcas! Que pessoa horrivel és tu? Sempre invejaste a nossa felicidade e o facto de termos tido filhos.Não prestas mesmo!
Paula reprimia a custo uma lágrima voltando a cara para o lado. Efectivamente estava só e a felicidadezinha de ambas sempre lhe causara inveja.
Maria já nada ouvia, de olhar parado confessava em voz quase imperceptivel:
-Tenho tanto medo de ficar só Joana.Tu sabes que ele me vai querer tirar os filhos, deixei de trabalhar quando nasceram, não vou encontrar emprego!
-Maria nem penses nisso, nenhum juiz tomaria essa decisão! Tu és uma mãe excelente e os teus filhos já tem idade para decidir com quem querem ficar. disse Joana enxugando-lhe as lágrimas.
Era a primeira vez que vira Paula chorar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

o Capuchinho Vermelho

-António, preciso que vás fazer este depósito bancário. Com a maior urgência! Por favor toma cuidado! Olha que neste envelope está todo o dinheiro de caixa do fim-de-semana! Não faças o depósito nas caixas automáticas porque podes ser visto! Vai ao balcão e preciso que sejas rápido! O talão de depósito tem de seguir, ainda hoje de manhã, para o contabilista!
-Certo chefe! Não se preocupe! Num instantinho estou de volta.
António era o estafeta novo da empresa. Era a primeira vez que lhe confiavam aquela tarefa. Teve de ser. O Natal está à porta. A loja cheia de gente e ninguém podia ser dispensado.
A caminho do Banco, António lembrou-se que, já que estava na rua, podia fazer uma passagem na Vodafone...só para ver as novidades...com um pouco de sorte talvez conseguisse fazer um choradinho à avó e quem sabe...em vez das meias...
Absorto nos seus pensamentos, esbarrou numa mulher de idade com aspecto andrajoso, derrubando-a.
-Ei! Veja lá por onde anda!
-Peço imensa desculpa, estava distraido! disse ajudando-a a levantar.
-Esta juventude já não é o que era! Uma falta de consideração pelos mais velhos, doentes, com reformas miseráveis, que nem dá para os remédios, uma pessoa cheia de dores e leva um empurrão destes...se ao menos tivesse dinheiro para comprar o anti-inflamatório, mas custa um dinheirão...nem para comer tenho dinheiro!
António condoeu-se com a situação, revendo aquelas frases tantas vezes ditas pela sua avó...
-Eu até lhe pagava o medicamento mas, de momento, não tenho dinheiro. À tarde recebo o ordenado. Se a senhora ainda andar por aqui eu ajudo-a a comprar!
-És um anjo! Mas doi-me tanto a perna depois da queda...se me ajudasses a chegar a casa...ficava muito agradecida. Não é longe. Moro já ali.
-É o minimo que posso fazer, dê-me o braço que eu ajudo-a.
António percorreu ruas e vielas embrenhando-se em zonas de Lisboa, totalmente desconhecidas para si...Começou a ficar preocupado, o tempo estava a passar mas não podia deixar a senhora sozinha, afinal tinha prometido...
Subitamente algo de frio e brilhante surgiu daquela mão outrora trémula.
-Passa para cá o dinheiro!
António ficou espantado, como era possivel isto estar a acontecer.
-Mas então a senhora não estava com a perna presa com dores?
-Claro que não!
-Então também era falso que precisava de dinheiro para comer?
-És um otário! Ainda não percebeste?
-O nosso encontro não foi casual?
-Ouve lá, tu és louro ou quê? Claro que não! Segui-te desde a loja. Sei que trazes bastante dinheiro.Passa para cá a massa e rápido!
António empalideceu, perante uma faca daquelas pouco poderia fazer...Entregou o envelope por entre suores frios. Tinha-a arranjado bonita! E agora...? Como iria explicar ao patrão?
Subitamente surgiram do nada dois individuos corpulentos. Manuel tremeu...É desta que vou morrer! pensou.
Abruptamente dirigiram-se à mulher manietando-a.
-PJ! A srª está presa por roubo e atentado à integridade física!
António sentiu as pernas a desfalecer.Graças a Deus! Que situação! Estava safo!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

a tempestade

Tal como José profetizara, subitamente, o vento mudou de rumo. As vagas agigantaram-se e o céu ficou tão escuro que mal se via a cabine do barco.
João lutava, heroicamente, para se manter em pé, agarrado ao mastro principal, que ameaçava a queda a qualquer momento.
Tinha de procurar um refúgio, as vagas não teriam dó nem piedade e a próxima arrastá-lo-ia, certamente, borda fora.
Prometera a si mesmo e ao velho José que ficaria ali, acontecesse o que acontecesse...veio-lhe à ideia o filho, tão pequeno ainda, talvez não o voltasse a ver...
"Disparate! Sou um lutador, havemos de sair desta" e um novo alento apoderou-se de si. Pelo seu filho não podia desistir, lutaria contra o mar, contra a ira dos deuses, contra todas as fúrias...
Uma corda, descontrolada, atingiu-o na face deixando-lhe um vergão profundo, conseguiu agarrá-la e prender-se. A custo abriu a porta da cabine e viu José, inanimado, com uma mão ensanguentada presa no leme.
Não havia tempo a perder, tinham de saltar para a água gelada . Puxou-o com todas as forças, colocou a corda em seu redor e saltou.
Já na água, colocou o seu braço, vigoroso, à volta do pescoço de José, para o manter à tona.
Os minutos tornaram-se horas, o barco virara-se impotente sucumbindo a toda aquela força.
Por agora, estavam vivos...
Lentamente o mar amansou, o céu recuperou a luz, mesmo quando o coração já batia tão devagar. A hipotermia começava a tomar conta dos dois " Mais um esforço" pensou "Umas braçadas e estavam a salvo"
A custo, içou-se para o que restava do barco, nunca largando a corda que o unia a José. Exausto, lutando contra as dores alucinantes que o percorriam, puxou com todo o cuidado aquele velho inanimado, de pele curtida pelo sol.
Sentiu então que estava só... mas em paz..

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

"Incompetente,malandro,um imbecil, é o que ele é! "
Vociferava, irado, José, enquanto gesticulava agarrado ao leme.
"Já o sol nasceu e ainda não saímos de terra e chega-me aqui, com este desplante, como se não fosse nada com ele...É a ultima vez, só não ficou em terra porque preciso de todos nesta faina, mas podem escrever o que eu digo, neste barco não torna a entrar, vai ser a sua ultima viagem, ou eu não me chame José!"
A tripulação entreolhava-se, não ousando mexer um músculo, discussões no mar são frequentes mas, antes de partir, todos sabem que dá azar...
João ficou cabisbaixo, começar assim o dia não é fácil... se não fosse a necessidade de levar dinheiro para casa...também nunca tinha sido bom na escola, não nascera para aprender... preso numa sala de aula...e o mar...sempre o admirara, não lhe tinha medo, era um desafio...toda aquela imensidão a perder de vista...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

chamo-lhe João



Chamo-lhe João, terá os anos que a vida lhe deu.
Vive ali, debaixo dos meus olhos, incomoda-me vê-lo de olhar fixo, inexpressivo, sem que um ruido saia daquele corpo.
Pouco come.
Durante o dia está sentado no banco do jardim junto à fonte.
Por vezes defeca ali mesmo, em pé, na esquina da casa rosa, nesses momentos envergonha-se, torna-se humano, só por instantes...depois retoma o autómato em que a vida o transformou.
Dia e noite, sob sol escaldante ou chuva torrencial permanece absorto, envolto no amontoado de trajes sem sentido, perdeu-lhes a cor, tal como perdeu o Mundo ou como o Mundo o perdeu...
Admiro-lhe as mãos, finas demais para a sua personagem...
Hoje vejo-o a escrever calmamente, com gestos fáceis, como se a escrita fosse algo que ainda domina.
Estou curiosa , esse corpo de voz emudecida, tem vida...
Quero saber se essas palavras alinhadas têm nexo ou se estão para lá perdidas...
Aproximo-me, fixando esse olhar vazio, que me esconde do que foge, e roubo-lhe o caderno sem pensar, folhei-o e espanto-me com o que leio...
Agora tudo faz sentido.
Sento-me, em silêncio, de olhar vazio a seu lado no banco de jardim.

Seja o que Deus quiser...

O dia tinha amanhecido ameno, bem diferente da véspera, chuvosa, que enlameara o jardim e provocara o caos nas tendas, cuidadosamente armadas para a festa. Felizmente a empresa de eventos era excelente e alguns amigos tinham-se prontificado para ajudar, estava tudo quase pronto, de novo, nos devidos lugares...
Respirou fundo, ainda bem, hoje vai ser um dia importante para ele...
Ele era o seu irmão mais novo, o Manel, que, ao fim de tantos anos de namoro, lá tinha sido convencido pela Madalena a casar.
Não me pareceu uma boa ideia, nós os dois formamos uma dupla imbatível, no que respeita a mulheres: elas não nos largam e nós não nos fazemos rogados...vou ter pena, mas também não gosto da Madalena!
Nunca gostei!
E se ela pensa que não vou continuar a desafiá-lo só porque é casado, está muito enganada...
Entro de rompante no quarto, totalmente desalinhado da noite de borga inesquecível, tenho de afastar a mãe daqui, ainda bem que sou o padrinho e lhe proibi com um beijo a entrada.
Suspiro mas já que tem de ser, vamos em frente.
-Bom dia, pá, dormiste bem?
-Não sei como me meti nisto...ainda estou para saber como ela me convenceu...
-Manel tomaste os comprimidos ao menos?
-Ó Francisco achas que me ia esquecer?
-Sei lá! Tu tens estado tão nervoso e inquieto...
-Claro que tomei senão nem me aguentaria em pé.
-Então vá respira fundo e pensa nas mulheres que ainda vamos engatar
-Se me casar claro...
-Ó Manel se pensas assim, era melhor mesmo não casares...
-É só para te irritar, tu ficas mais giro irritado, vamos lá a isso e seja o que Deus quiser...