terça-feira, 25 de novembro de 2008

remorsos

Entre chamas crepitantes
fixo o olhar no vazio
retomo-me naquela que já fui
absurdamente crédula
nas tuas desculpas
mesmo quando te escondia
as gotas salgadas
que saiam do olhar
obedeci-te
vezes sem conta
culpei-me
aceitando as tuas culpas
como minhas
menosprezei-me
para que tu não o fizesses
humilhei-me por me convencer
que era mesmo assim
mentiste-me
tantas vezes
que aceitei essa violência
pérfida como justa
hoje passo por ti e vejo
não tens remorsos
mas eu tenho
de não ter visto mais cedo

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

a tempestade

Tal como José profetizara, subitamente, o vento mudou de rumo. As vagas agigantaram-se e o céu ficou tão escuro que mal se via a cabine do barco.
João lutava, heroicamente, para se manter em pé, agarrado ao mastro principal, que ameaçava a queda a qualquer momento.
Tinha de procurar um refúgio, as vagas não teriam dó nem piedade e a próxima arrastá-lo-ia, certamente, borda fora.
Prometera a si mesmo e ao velho José que ficaria ali, acontecesse o que acontecesse...veio-lhe à ideia o filho, tão pequeno ainda, talvez não o voltasse a ver...
"Disparate! Sou um lutador, havemos de sair desta" e um novo alento apoderou-se de si. Pelo seu filho não podia desistir, lutaria contra o mar, contra a ira dos deuses, contra todas as fúrias...
Uma corda, descontrolada, atingiu-o na face deixando-lhe um vergão profundo, conseguiu agarrá-la e prender-se. A custo abriu a porta da cabine e viu José, inanimado, com uma mão ensanguentada presa no leme.
Não havia tempo a perder, tinham de saltar para a água gelada . Puxou-o com todas as forças, colocou a corda em seu redor e saltou.
Já na água, colocou o seu braço, vigoroso, à volta do pescoço de José, para o manter à tona.
Os minutos tornaram-se horas, o barco virara-se impotente sucumbindo a toda aquela força.
Por agora, estavam vivos...
Lentamente o mar amansou, o céu recuperou a luz, mesmo quando o coração já batia tão devagar. A hipotermia começava a tomar conta dos dois " Mais um esforço" pensou "Umas braçadas e estavam a salvo"
A custo, içou-se para o que restava do barco, nunca largando a corda que o unia a José. Exausto, lutando contra as dores alucinantes que o percorriam, puxou com todo o cuidado aquele velho inanimado, de pele curtida pelo sol.
Sentiu então que estava só... mas em paz..

domingo, 23 de novembro de 2008

para que as palavras percam a importância

insisto
em estar aqui
com palavras sem letras
perdida
entre fotos emperradas
que nada dizem
mudo de ideias
apago-me
reescrevo-me
rebuscando em mim
o que falta
desta história
obsoleta
de contornos duvidosos
não te peço que acredites
não é importante que o faças
deixa-me falar
simplesmente
para que as palavras percam a importância

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

"Incompetente,malandro,um imbecil, é o que ele é! "
Vociferava, irado, José, enquanto gesticulava agarrado ao leme.
"Já o sol nasceu e ainda não saímos de terra e chega-me aqui, com este desplante, como se não fosse nada com ele...É a ultima vez, só não ficou em terra porque preciso de todos nesta faina, mas podem escrever o que eu digo, neste barco não torna a entrar, vai ser a sua ultima viagem, ou eu não me chame José!"
A tripulação entreolhava-se, não ousando mexer um músculo, discussões no mar são frequentes mas, antes de partir, todos sabem que dá azar...
João ficou cabisbaixo, começar assim o dia não é fácil... se não fosse a necessidade de levar dinheiro para casa...também nunca tinha sido bom na escola, não nascera para aprender... preso numa sala de aula...e o mar...sempre o admirara, não lhe tinha medo, era um desafio...toda aquela imensidão a perder de vista...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

gosto deste chão que piso



gosto deste chão que piso
desta terra que também é minha
choca-me a indiferença
a monotonia dos dias sempre iguais
perdidos em burocracias
repetitivas
gosto destas ondas
que me fazem sonhar
que um dia seguirei outros caminhos
recheados de desafios estimulantes
podia ficar de olhos fixos no chão
mas não
quero olhar para o céu
e sentir que todo esse azul intenso
também um dia
será meu

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

chamo-lhe João



Chamo-lhe João, terá os anos que a vida lhe deu.
Vive ali, debaixo dos meus olhos, incomoda-me vê-lo de olhar fixo, inexpressivo, sem que um ruido saia daquele corpo.
Pouco come.
Durante o dia está sentado no banco do jardim junto à fonte.
Por vezes defeca ali mesmo, em pé, na esquina da casa rosa, nesses momentos envergonha-se, torna-se humano, só por instantes...depois retoma o autómato em que a vida o transformou.
Dia e noite, sob sol escaldante ou chuva torrencial permanece absorto, envolto no amontoado de trajes sem sentido, perdeu-lhes a cor, tal como perdeu o Mundo ou como o Mundo o perdeu...
Admiro-lhe as mãos, finas demais para a sua personagem...
Hoje vejo-o a escrever calmamente, com gestos fáceis, como se a escrita fosse algo que ainda domina.
Estou curiosa , esse corpo de voz emudecida, tem vida...
Quero saber se essas palavras alinhadas têm nexo ou se estão para lá perdidas...
Aproximo-me, fixando esse olhar vazio, que me esconde do que foge, e roubo-lhe o caderno sem pensar, folhei-o e espanto-me com o que leio...
Agora tudo faz sentido.
Sento-me, em silêncio, de olhar vazio a seu lado no banco de jardim.

Seja o que Deus quiser...

O dia tinha amanhecido ameno, bem diferente da véspera, chuvosa, que enlameara o jardim e provocara o caos nas tendas, cuidadosamente armadas para a festa. Felizmente a empresa de eventos era excelente e alguns amigos tinham-se prontificado para ajudar, estava tudo quase pronto, de novo, nos devidos lugares...
Respirou fundo, ainda bem, hoje vai ser um dia importante para ele...
Ele era o seu irmão mais novo, o Manel, que, ao fim de tantos anos de namoro, lá tinha sido convencido pela Madalena a casar.
Não me pareceu uma boa ideia, nós os dois formamos uma dupla imbatível, no que respeita a mulheres: elas não nos largam e nós não nos fazemos rogados...vou ter pena, mas também não gosto da Madalena!
Nunca gostei!
E se ela pensa que não vou continuar a desafiá-lo só porque é casado, está muito enganada...
Entro de rompante no quarto, totalmente desalinhado da noite de borga inesquecível, tenho de afastar a mãe daqui, ainda bem que sou o padrinho e lhe proibi com um beijo a entrada.
Suspiro mas já que tem de ser, vamos em frente.
-Bom dia, pá, dormiste bem?
-Não sei como me meti nisto...ainda estou para saber como ela me convenceu...
-Manel tomaste os comprimidos ao menos?
-Ó Francisco achas que me ia esquecer?
-Sei lá! Tu tens estado tão nervoso e inquieto...
-Claro que tomei senão nem me aguentaria em pé.
-Então vá respira fundo e pensa nas mulheres que ainda vamos engatar
-Se me casar claro...
-Ó Manel se pensas assim, era melhor mesmo não casares...
-É só para te irritar, tu ficas mais giro irritado, vamos lá a isso e seja o que Deus quiser...

domingo, 9 de novembro de 2008

por entre aquedutos de sentimentos


já não há flores nas minhas janelas


já não há flores nas minhas janelas
foram perdendo lentamente
o cheiro
as pétalas
as folhas
ficaram feias
afastei-as para longe
de castigo
por me terem sugado
o sol que me aquecia
em seu lugar
deixaram-me o vazio
que se instalou
aqui
bem fundo
inundando-me de calafrios
enquanto anseio
a Primavera

sintra


venice by sea




venice sunrise



Dubrovnick


sábado, 8 de novembro de 2008

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

se o coração parou

como posso falar
se a voz se prende
como posso ver-te
se a visão se turva
como posso escrever
se já nem penso
como posso amar-te
se o coração parou

terça-feira, 4 de novembro de 2008

sábado, 1 de novembro de 2008

poleiros


dolce vita


na luz dos meus olhos

na luz dos meus olhos
vês reflexos
quando endureço o olhar
consegues lê-lo
não a oculto
asseguro-te
mas tantas vezes
a procuro
e não está lá
nos meus dias opacos
evito olhá-los
porque não gosto de não ter luz
para navegares