segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

dejá vu

Joana empalideceu, deixando cair o telemóvel de André. As lágrimas escorrerram-lhe pela face. Deixou-se cair na cama, sem alento, com o coração disparado. Automáticamente baixou-se para apanhar o telemóvel e tornou a colocá-lo exactamente no sítio onde o encontrara.
A água do banho parara de correr ao sabor das palavras que lhe martelavam a cabeça. "Estou grávida! Um beijo Meu Amor!"
Levantou a cabeça e viu-se reflectida no espelho do psiché, mais feia do que alguma vez fora. Estava gorda naquela camisa de noite de flanela grossa por debaixo do roupão de nylon, soterrado de borbotos. Nos pés as meias grossas de cor berrante que comprara em saldos.
André apareceu cheiroso, embrulhado numa toalha, deu-lhe um beijo na testa:
-Olá bébé!.
André, 50 anos, alto, corpo ainda atlético, sempre bem vestido, gerente bancário. Joana, 39 anos, baixa, forte, complexada, de aspecto desleixado, dona de casa.
No quarto, sempre num brinco, pululavam tapetes de diferentes tamanhos e padrões que ocultavam parcialmente o chão, polido dia sim, dia não. Os naperons de crochet, cuidadosamente embebidos em goma, protegiam os móveis dos riscos dos bibelots.
Hoje não havia pequeno almoço cheiroso porque o mundo desabara antes das 7h da manhã.
André já parcialmente vestido, olhava de novo Joana, sentada, imóvel na borda da cama. Algo de errado se tinha passado. A medo agarrou no telemóvel e apercebeu-se imediatamente do que acontecera. Leu de soslaio as mensagens e explicou na sua voz mais terna:
-Bébé, só pode ser uma brincadeira, não conheço ninguém com este nome. Juro-te pela alma da minha mãezinha!
Joana não o ouviu, na mão apertou o teste de gravidez que, abruptamente, enfiou no bolso do roupão.
André tentou falar mas a voz não cedeu, insistiu e num impeto confessou:
-Já te devia de ter contado, mas tu estiveste doente tanto tempo naquele Hospital, que numa das visitas, já lá vão 5 anos, conheci uma pessoa. Juro-te que ela não significa nada para mim. Eu nem quero ter filhos, lembras-te? Isto foi a gota final. Acabou de vez! És a mulher da minha vida!
Joana continuou, imóvel, a olhar o espelho do psiché. Acariciou o bolso e não impediu que uma nova lágrima traiçoeira se esgueirasse. Num impeto correu para a porta da rua e saiu. Chovia torrencialmente, naquele dia de Inverno. A chuva colou-se-lhe ao corpo torneando aquelas formas que há anos procurava ocultar, em vão. Continuou a correr até as pernas fraquejarem junto ao mar. Deixou-se cair em desalento na areia molhada e aninhou-se olhando as vagas. Sentiu calor a sair do seu baixo ventre e desmaiou.
Acordou numa cama de hospital. Percebeu tudo, na troca de olhares tristes da sua avó que lhe afagava a mão com tanto amor.

Sem comentários: