quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

e ainda

Da pastelaria Versailles com toda a panóplia de bolos armados depenicados por senhoras de sapatos altos e bolsas a condizer. Dos Armazéns do Grandella com aquelas montras de Natal que me faziam suspirar. Hoje as ruas perderam o tamanho gigante que tinham. A Baixa está diferente de quando eu tinha de te dar a mão. Agora já não me perco. A Rua do Carmo já não me é familiar Já não compro a Rakam e deixei de perder tempo a escolher os tecidos para levar à costureira. Descobri que todas as lojas que conhecia fecharam dando lugar a montras iguais a tantas outras . A Baixa perdeu o encanto ou então quem sabe? Talvez tenha sido eu que perdi o dom de me deixar encantar.

é isso as saudades...

É isso as saudades…porque me fui lembrar delas? E logo da infância…raios! Volta não volta assaltas-me a memória e instalas-te, com ar de quem veio para ficar, de armas e bagagens. E aí as lágrimas caiem-me dos olhos.
Lembras-te? Não, não te lembras eu sei! Tinhas o quê? 4 ou 5 anos? Sim era isso, tu e eu…há quanto tempo, meu Deus! Tu, sempre sério, eu, nem por isso. Tu, com cabelos cor do Sol, eu, com cabelos cor da Terra. Os olhos da cor do mar, tão pacífico como tu, os meus, cor de mel, doces só para ti! Dávamos as mãos e tínhamos conversas profundas em que me perdia na luz dos teus olhos. Naquele dia estavas sério, demasiado sério quando bateste á minha porta. Anunciaste-me a medo que não podíamos brincar. Tinhas sarampo em sítios que nem me podias mostrar. Nos dias seguintes brinquei só para ti enquanto pela vidraça a luz dos teus olhos calmos me iluminavam essas tardes tristes.
Partiste de vez, deixando comigo toda a água desse teu mar tão calmo que salta dos meus olhos sempre que me lembro de ti.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

foi assim que comecei por me interessar por sapatos

Eu, embora ainda um rapaz, gostava de o ouvir contar as histórias como só ele sabia contar. Inicialmente eu tinha nojo de sapatos, sempre que os via deformados e rotos imaginava os pés que os continham e, confesso, era uma imagem pouco agradável. Ele era diferente, gostava do que fazia, por opção ou resignação, nunca percebi bem. Com o seu avental de couro de cor indefinida pelas manchas de graxa, pegava neles com todo o cuidado e após observá-los bem, procurava a linha certa, cozia-os, engraxava-os e ficavam como novos, alinhadinhos numa prateleira com um papel colado na sola. Dizia-me ele que os sapatos contam a história de quem os usa.

Foi assim que comecei por me interessar por sapatos e nos momentos livres divertia-me a inventar histórias sobre os seus donos. Aqueles ali bicudos de salto alto só podiam ser da menina Hermelinda, a neta da D. Casimira que, tal como eu, vive na cidade e trabalha no Centro Comercial, via-se que pertenciam a uma mulher jovem não só pela altura dos saltos e também porque eram os sapatos mais modernos que ali estavam. Aquelas botas de carneira são certamente do sr. Manuel, o caçador. E aqueles sapatos rasos deformados por joanetes são os da minha avó, reconheço-lhes as marcas provocadas pela artrite que há muito a apoquenta.

os maiores

Ainda o sol preguiçoso não acordou e já os cães estão inquietamente excitados, o ladrido ao desafio, o pelame a eriçar. Marcamos posições valentemente mascarados para a guerra desigual, as armas ao ombro semi-abertas, à cintura o largo cinto com gancho. Dispersamos em pares agarrando os cães enquanto batemos no solo com as botarras enlameadas. O sol outrora tímido, sonolento, explode com o restolhar das ervas. Os cães imitando cata-ventos espetam orelhas e cauda, qual seta por disparar, apontando direcções correctas. Um movimento reluzente e um pum, pum, pum, seguido de silêncio. Os cães soltam-se e de nariz desenfreado farejam as ervas altas. Trazem pendurada uma frágil lebre, moribunda. Ficamos ufanos, somos os maiores (cobardes, acrescentaria eu!)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O café da Felismina

Núcleo do café

Felismina é dona do café situado no prédio, é solteirona e está embeiçada pelo Alfredo (bêbado) que acha que conseguiria recuperar do álcool, estando plenamente convencida de que Alfredo bebe para esquecer a família que tem, mulher e filhos deficientes, acha que o poderia fazer feliz.

Felismina devido ao local estratégico do café e por ter um excelente ouvido apercebe-se de tudo o que vai no prédio e vai tentar ganhar algum dinheiro chantageando o Zé fazendo- o acreditar que a policia está no seu alcance.

Tem como empregada a Ana que lhe foi entregue em bebé pela sua amiga, Dr.ª Jesus (assistente social) de quem é filha, mas nunca lhe teve amor, porque não gosta de crianças, sempre viu na miúda uma mão de obra barata, até porque nem lhe paga nada com a desculpa que lhe dá cama e mesa e roupa lavada. Não a deixou ir á escola pois os livros são caros e afinal ela também não tem instrução e safou-se na vida.

Ana é uma miúda inculta mas muito inteligente e dócil que lá vai aguentando os maus tratos de Felismina pois desconhece quem são os pais e nunca teve outra vida.

CENA:
No interior do café na zona da copa

Felismina:
Raça da miúda! Ò rapariga mexe-me esses pés, estás sempre na lua! Não vês que há fregueses para atender?

Ana:
Tenha calma madrinha, tenho as chávenas todas por lavar!

Felismina:
Estão por lavar porque és uma calona, não fazes nada.

Ana:
Sabe bem que me levanto às 6 da manhã para lavar o chão, as mesas e abrir o café.

Felismina:
Não fazes mais do que a tua obrigação, pensas que a comida cai do céu, não sou rica!

Ana:
Sim eu sei, desculpe madrinha, não me estou a queixar.

Felismina:
Acho bem, miúdas como tu é o que não faltam. Há tanta gente desempregada

Ana:
Por favor, madrinha, eu não tenho para onde ir, prometo que passo a trabalhar mais ainda.

Felismina:
Acaba com a conversa da treta, mexe-te mas é, circula, desampara-me a loja, já não te posso ouvir.

CENA:
Interior do café zona dos clientes

Ana corre para os clientes e serve-os, ao tirar a loiça parte 2 chávenas, fica aflita.

Felismina disfarça a irritação e diz com compreensão:
Deixa estar não te preocupes, loiça é coisa que não falta, anda à cozinha buscar uma vassoura.

Segue-a e lá dentro… (INTERIOR DO CAFÉ COPA)

Felismina:
Viste o que fizeste estúpida, não fazes nada de jeito, nem sei porque perco tempo contigo

Ana:
Mas madrinha, foi sem querer, eu sou uma simples empregada, sem estudos, sem conhecimentos, sou uma rapariga que não…

(interrompe Felismina)
Chega, não digas mais nada, dessa boca só saem disparates, vai mas é varrer o chão.

Sai e volta para o sitio onde estão clientes

(interior zona dos clientes)

Felismina:
Bom dia Sr. Alfredo, vai o costume?

Alfredo:
Claro ainda me faz essa pergunta?

Felismina:
Posso-lhe contar uma coisa?

Alfredo:
Claro, sou um túmulo.

Felismina (puxa uma cadeira e senta-se)
Se não contasse a alguém acho que rebentava, ontem andaram-me a fazer perguntas sobre pessoas do prédio

(olha fixamente para Zé que acaba de chegar)

Zé fica interessado na conversa.

Felismina: (continuando) sabe pareceu-me ser da policia.

Zé alarma-se e aproxima-se mais

Felismina olha para Zé e diz: se eu contasse o que sei…

Levanta-se e dirige-se a Zé

Felismina:
Bom dia Sr. Zé, já vi que tem um carro novo, a vida está-lhe a correr bem? Apesar de tudo devia de ter cuidado.

Zé:
Cuidado? De que está a falar?

Felismina:
De nada, não ligue, disparates….o negócio já não é o que era os fregueses são cada vez menos e o dinheiro mal dá para pagar a renda e sinto-me tão sozinha, faz-me falta um carrito, mesmo em 2ª mão, para ir passear com a Aninhas, a miúda coitada nunca saiu daqui, fazia-lhe bem!

(Olha para Zé)

Ainda bem que fala nisso. Tenho um negócio para lhe propor

(Felismina leva-o para um canto)


Precisava de um espaço a sua cave seria um óptimo sitio, isso já podia ajudá-la

Felismina
Isso vem mesmo a calhar, a cave está mesmo desocupada

Perfeito 500€ de renda acha bem?

Felismina
750€ e não se fala mais nisso, sabe a cave é muito discreta


Ok aceito! 750€

Felismina
Agora que somos sócios…a Ana está-se a tornar numa bela rapariga, com uma ar muito inocente, reparou?

Zé olha para Ana e concorda com a cabeça
Podemos pensar nisso, preciso de gente para trabalhar, em especial nova …

Felismina chama Ana com a mão
Ana, o Sr. Zé vai-te arranjar um emprego para os teus tempos livres…

Ana:
Mas eu não tenho tempos livres…

Felismina irrita-se abre-lhe os olhos e diz:
Disparate!
(vira-se para Zé) Não ligue, sabe como são os miúdos…
(volta-se para Ana) há certas horas em que posso estar sozinha no café e depois das 7h não tens nada para fazer, fazia-te bem trabalhar miúda…

Ana
Mas madrinha…

Felismina (interrompe-a)
O Sr. Zé é como se fosse da casa, um cavalheiro, será bom para ti receberes um dinheirinho, está combinado não se fala mais nisso.


Ok combinado, agora tenho de sair.

Felismina
Eu sou um tumulo, não se vai arrepender garanto-lhe.

Zé sai
Felismina volta para o pé de Alfredo

Felismina
Ai Sr. Alfredo, ando tão cansada, se soubesse como me sinto só desde que o falecido se foi, Deus o tenha ….e eu tão nova ainda
(suspira)

Alfredo olha-a com atenção
Imagino que sim, um café dá muito trabalho, não deve ser fácil fazer tudo sozinha.

Felismina
Pois não, faz-me tanto a falta de um homem a meu lado, que me ajudasse, que me fizesse companhia, o café até dá dinheiro mas bem gerido até podia dar mais...

Alfredo
Eu estou desempregado como sabe e com a situação lá em casa…também me sinto só, sabe como é a sara está cada vez pior…

Felismina toca-lhe com carinho
Não sei como tem aguentado tanto tempo, um homem tão jovem, tão jeitoso, uma pena…

Alfredo
A D. Felismina também não está nada mal e homens são o que não faltam…

Felismina
Isto está uma crise, é como se costuma dizer, os bons ou estão casados ou são maricas…
Olha-o languidamente
O Sr. Alfredo não sente mesmo nada, nem um bocadinho? Podia faze-lo feliz…

Alfredo pensativo
Se tivesse dinheiro não seria mau e a Sara não me compreende a doença agravou-se e a vida está a tornar-se um inferno e os miúdos…

Felismina:
Os miúdos não iam ser adoptados?

Entra Sara e vê Felismina demasiado próxima do seu marido Alfredo
Sara
Mas o que é isto?

Felismina:
Isto? Não estou a perceber? D. Sara por quem me toma? O Sr. Alfredo é o meu melhor cliente nada mais, estávamos a conversar…

Sara:
Claro! Sou eu que sou parva não é D.Felismina…

Felismina:
Eu não disse isso mas sabe que com a sua doença…

Sara:
Sou doente mas não sou parva, essas mãozinhas queriam dizer algo…

Felismina:
Está-me a ofender, só estava a tratar bem um cliente habitual – se eu quisesse algo com o seu marido acha que não conseguiria?

Sara:
Pois, pois

Alfredo intervém:
Sara vai para casa, sabes que não te podes enervar, estás a imaginar coisas…

Entra a Dr.ª Jesus

Bom dia Felismina! Podias-me servir um café?

Felismina:
Claro que sim (faz o café) Toma!

Dr.ª Jesus:
Estou estoirada, está tudo bem contigo?

Felismina:
Sim claro que sim, tenho um negócio em vista, depois conto-te…

Dr.ª Jesus:
Estou tão preocupada, tive um sonho estranhíssimo (baixa a voz) sonhei com a miúda (olha para Ana)

Felismina:
Ao fim de tantos anos vais-lhe contar? Isso não era bom nem para ti nem para a miúda, sobretudo para ti!

Dr.ª Jesus
Estás louca? Como é que podia contar? Sou uma pessoa respeitada o que iam pensar de mim?

Felismina:
È isso, o que passou passou, está feito, ela não sabe a verdade e nem precisa de saber, disfarça vem aí o Sr. Alfredo…
Micaela entra no café

Ana, queria um maço de cigarros se faz favor

Ana está triste

Micaela:
O que tens? Estás com um ar triste aconteceu alguma coisa? Não me digas que ela te bateu outra vez?

Ana:
Antes tivesse, nem sabes o que aconteceu agora quer que trabalhe também para o Sr. Zé.

Micaela:
Puxa para esse tipo, ele é muito estranho, sei de coisas terríveis acerca dele, tu afasta-te por favor

Ana:
Mas eu nem queria , ela vai-me obrigar!

Micaela:
Tens de a enfrentar ou então eu peço ajuda á Dr.ª Jesus, ela é a mais simpática das assistentes sociais que vem cá ao prédio. Ela está tratar da adopção do filho do Sr. Alfredo sabias? Uma palavra delase a Felismina era posta no lugar. Tu não podes aguentar isto muito mais tempo

Ana:
Mas o que é que posso fazer? Nem sequer tenho para onde ir…

Micaela:
Ela podia arranjar-te uma casa de acolhimento…

Ana:
Mas eu gosto de estar aqui, sempre vivi aqui, e a madrinha até não é má pessoa, às vezes explode é tudo…mas é para o meu bem,

Micaela;
Como é que acreditas nisso, não sabes que li numa revista que isso é violência doméstica? E que se pode fazer queixa á Policia? Se não fizeres tu faço eu!

Ana:
Por favor não faças isso, a sério ela é boazinha para mim….muito boa até senão estaria a dormir na rua…

Micaela:
Se eu a vir a maltratar-te não prometo o que farei…

Ana:
És a minha única amiga, por favor não digas nada…

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

parabéns

faz hoje 6 anos
parabéns a mim
apesar de tudo...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Musical Joseph and the amazing technicolor dreamcoat

Casting 7 e 8 de Fevereiro entre as 15 e as 20 h Salesianos do Estoril aparece!!!!!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

onda que bate forte

onda que bate forte
ou traz sorte ou pode a morte
Era um daqueles dias, sem inspiração. Sofia olhava para a folha em branco e nada. Tinha um prazo para cumprir e a redacção fechava em breve. Pegou no carro e dirigiu-se para junto do rio. Estava um dia desagradável, frio, chuvoso. Não se via vivalma. Estacionou e pôs-se a observar as gaivotas sôfregas de mar que, não temendo as vagas, procuravam capturar desnorteados peixes. Um pequeno carro vermelho aproximou-se do seu e parou. Sofia vislumbrou, curiosa,por entre os vidros embaciados, o vulto de uma mulher. Ficaram lado a lado impassiveis. Sofia com o pânico da folha branca, a mulher do carro vermelho com outro pânico qualquer. Subitamente o pequeno carro acendeu as luzes, iniciou a marcha, acelerou a fundo, precipitando-se sobre o rio. Sofia,incrédula, tentou sair do carro, debatendo-se com o cinto de segurança, correu na direcção do rio, debruçando-se a medo. O coração disparado viu o carro a afundar-se lentamente. Atirou-se, sem pensar, naquela água escura e gelada. Naquele caixão metálico a mulher lá estava, paralisada pelo medo. A custo Sofia içou-a pelos braços sem oposição. Permaneceram juntas chicoteadas por furiosas vagas. Sofia julgou morrer de frio e de medo quando uma onda gigante se dirigiu na sua direcção. Fechou os olhos e deixou-se levar apertando o corpo hirto da mulher imóvel.
Pelas 19h os noticiários abriram com a notícia: "Sofia Castanheira, jornalista da TVI, faleceu com 30 anos de idade, ao tentar salvar uma jovem de 20 anos. A jovem encontra-se nos Cuidados Intensivos mas o seu estado não inspira cuidados."

nunca mais vou acreditar

fazes-me pensar no que não sinto
sentindo o que não penso
voltei ao turbilhão cansada
do remoinho
quando só queria águas calmas
impasses tantos
carências todas
deixa-me percorrer o meu destino
é o que te peço
não me confesses a vida
não acredito
nunca mais vou acreditar