sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

foi assim que comecei por me interessar por sapatos

Eu, embora ainda um rapaz, gostava de o ouvir contar as histórias como só ele sabia contar. Inicialmente eu tinha nojo de sapatos, sempre que os via deformados e rotos imaginava os pés que os continham e, confesso, era uma imagem pouco agradável. Ele era diferente, gostava do que fazia, por opção ou resignação, nunca percebi bem. Com o seu avental de couro de cor indefinida pelas manchas de graxa, pegava neles com todo o cuidado e após observá-los bem, procurava a linha certa, cozia-os, engraxava-os e ficavam como novos, alinhadinhos numa prateleira com um papel colado na sola. Dizia-me ele que os sapatos contam a história de quem os usa.

Foi assim que comecei por me interessar por sapatos e nos momentos livres divertia-me a inventar histórias sobre os seus donos. Aqueles ali bicudos de salto alto só podiam ser da menina Hermelinda, a neta da D. Casimira que, tal como eu, vive na cidade e trabalha no Centro Comercial, via-se que pertenciam a uma mulher jovem não só pela altura dos saltos e também porque eram os sapatos mais modernos que ali estavam. Aquelas botas de carneira são certamente do sr. Manuel, o caçador. E aqueles sapatos rasos deformados por joanetes são os da minha avó, reconheço-lhes as marcas provocadas pela artrite que há muito a apoquenta.

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