sábado, 31 de maio de 2008

procuras-me


procuras-me
de mundos tão distantes
em acasos
descobres o meu rasto
inflectes e páras
na leitura das peças
que tenho para mostrar
por vezes sentes algo mais
e voltas transportado
sem saberes
em sentimentos de empatia
pela pele
que reconstruo
em acasos de sentimentos
flutuantes
que sentes tantas vezes
como teus
descubro-te e
partes novamente
para locais que nunca conheci
voltarás um dia certamente
se te sentires
bem junto de mim

quinta-feira, 29 de maio de 2008


sim, admito
olho-o em demasia
por dentro
por fora
por todos os angulos
caiu quando me desliguei de ti
dilatou quando vos alberguei
voltando à posição original
uma, outra e outra vez
oculto-o
destapo-o
orgulho-me dele
e sei que tenho de o esquecer
para poder olhar em frente
prometo que tentarei

quarta-feira, 28 de maio de 2008

tenho momentos perfeitos

tenho momentos perfeitos
sublimes
perdida em suaves véus
escuto os silêncios
zen
dos repuxos que saltitam
em vegetações luxuriantes
envolta em transparências
bambus
beijes
e cores de terra
sinto o mar correr nas minhas veias
enquanto riachos
percorrem o meu corpo
em luzes ténues e músicas envolventes
escondidas na nudez
que a brisa não perturba
nem agita
perco-me na suavidade
deste momento
enquanto inspiro fundo
todos estes cheiros inodoros
de prazeres novos acessíveis

terça-feira, 27 de maio de 2008

marcas de sonhos


guardas marcas de sonhos
de dias duros no olhar
silenciosamente puro
esqueces-te de ti
do teu retrato
amarfanhado pelo tempo
longínquo
em que buscaste abrigos
nos sons soberbos
do mundo duro
onde te moves
em peles curtidas
por sóis cinzentos
e terra vaidosamente estéril

gosto de cor


gosto de cor
de azuis
concretamente
de cores fortes
decididas
vigorosas
puras
das sombras
que não sufocam
e se limitam
à sua condição
gosto de decisões
azuis fortes
que não desbotem
com o tempo
conjugadas com brancos
gregos
da cor da cal dos muros
que já não me circundam
e de barcos flutuantes
que resistem às tempestades
imprevistas

domingo, 25 de maio de 2008

hoje estou lenta


hoje estou lenta
pegajosa
carregando a minha casa
às costas
em dias de moleza
arrasto-me
nas coisas que não me apetecem
podia correr
mas não quero
podia sair da casca
mas aqui estou segura
encolho-me se me tocas
circulo se tu não estás
lentamente deixo rasto
por onde passo
naquilo que toco
mas hoje não estou frágil
só me arrasto
lentamente
para compensar os dias
em que corro

quinta-feira, 22 de maio de 2008

um dia acordo-te com beijos



um dia acordo-te com beijos
vestida de jacarandás
fujo das torres de marfim
liberta em gritos
de gaivotas estridentes
um dia afasto a madeixa de cabelo
e olho-te no espelho
revendo-te em invenções
perversas enquanto
me choco em estereótipos
alternados com rituais
de dança
um dia fujo para a Índia
exótica
nos cheiros das especiarias
que embriagam os sentidos
enquanto me cobres de jóias
feitas de pétalas
contas baças
e de beijos
um dia acordo sem me conhecer
despida de identidades
fabricadas
um dia leio-te poemas
disfarçados de dias de marés de verão
e areia quente
um dia acordo ao teu lado
e admiro-te o sono
tranquilo que causei
um dia descubro
que vivemos
demasiadas vidas
ocas
frias
quando temos tanto fogo
para descobrir

segunda-feira, 19 de maio de 2008

tenho capítulos



tenho capítulos
letras
pontos
virgulas
interjeições
verbos
proposições
adjectivos
muitas silabas e
até ilustrações
uns escrevi-os eu
outros escreveram-me
tenho capítulos fechados
que não leio
outros releio-os
até lhes esgotar
as letras
há páginas que viro
com cuidado
outras passo-as à pressa
não uso palavrões
só palavras
doces
tristes
gulosas
amargas
que ora dão a mão
a rir-se
ora não querem
encontrar-se
não escolhi ainda
a lombada
deste mero manuscrito
só sei que terá letras
grandes
gravadas em couro

domingo, 18 de maio de 2008

lembra-me para me esquecer


há momentos
que são breves
em que me esqueço
há os outros
que perduram
em que me lembro
de tudo o que não quero
há momentos em que
baralho sentimentos
e os confundo
com recordações
há momentos em que
estou tão viva
que até dói
outros em que morta
já nem sinto
há momentos em que
não falo e só
penso dizer-te
sussurrando
lembra-me para me esquecer

sábado, 17 de maio de 2008

ser crianças

tudo era diferente
o tempo
o espaço
os sentimentos
com que nos moviamos
tinhamos grupos
distintos
hoje envelhecemos
todos
porém estamos vivos
nos pontos de contacto
em que completamos
memórias
e descobrimos que
não estamos assim tão velhos
quando sorrimos
de palavras
trocadas ao despique
na febre dos momentos
em que despimos
os fatos que envergamos
e nos permitimos voltar
a ser crianças

é tempo de fazer mudanças


sento-me na sala
deserta
liberto os sapatos
enrosco-me no sofá
olho em torno
os objectos
que permanecem
estáticos
há tanto tempo
mantive as cortinas
na mesma posição
presas por cordas
que me afogam
como estas quatro paredes
a lareira apagou-se
há muito tempo
as janelas têm as grades
que me prendem
na luz intermitente
do exterior
as paredes amarelecem
com o fumo do tabaco
avisto uma teia de aranha
solitária
escapou à ira das limpezas
é tempo de fazer mudanças

sexta-feira, 16 de maio de 2008

não quero abrandar


não quero abrandar
amolecer
acomodar-me
a mim
aos outros
não quero parar
nem um momento
quero avançar
sem ter de envelhecer
por dentro
não quero perder
o sonho
a ilusão
o espanto
não quero perder
a emoção
de saber viver

quinta-feira, 15 de maio de 2008

eu sou real


eu sou real
estou aqui
comigo mesma
nos dias
nas noites
nas estações do ano
nos meses que se arrastam
tu não sei
tu serás uma ficção
quando te espero
nos dias em que olho
por cima do ombro
e não te sinto aqui
quando preciso
nesses dias olho em frente
sem desvios
embora me sinta
verdadeiramente real

quarta-feira, 14 de maio de 2008

invento a personagem


invento a personagem
visto-lhe a pele
desligo-me
encarno o meu papel
aqui sou aquela
que não sou
em diálogos inventados
que nunca verbalizo
cubro-me com
as vestes necessárias
no palco
saio da minha pele
na busca de outra
acabarei por voltar

encontro-me em teatros


encontro-me em teatros
decadentes
rio
bato palmas
peço bis
invento-me em mil
cenas distorcidas
em que imagino
vencer a timidez
e no meio de aplausos
efusivos
ser diva
ao menos por uma vez

domingo, 11 de maio de 2008

só para te mostrar como era


conto-te dias
de desassossegos
afastas-me a dor
espantas-me os medos
falas-me de ti
sem nenhum rancor
pedes-me a medo
para te mostrar o amor
rebusco no fundo
de arcas de afectos
reviro lembranças
que querem fugir
não o encontro
perdi-o
em cartas caducadas
mas talvez
um dia crie outro
só para te mostrar como era

à flor da pele


sinto-me à flor da pele
quando te escrevo
ou te finjo sentimentos
disfarçados de convicções
hoje dispo-me
em azuis celestes
já passou a ira
a mágoa do instinto
ferido
desculpo-te os teus cuidados
mas não veles por mim
enquanto vivo
compreende-me
é tudo o que te peço
confia em mim
errarei vivendo
de outro modo
definharei
em morte lenta
e então certamente
poderás velar-me

sábado, 10 de maio de 2008

se eu desaparecesse


se eu desaparecesse
de vez
sentirias a minha falta?
se te entregasse
o meu mundo
para gerires
conseguirias vestir
a minha pele?
conseguirias multiplicar-te
como faço?
conseguirias ser eu?
despir-te, vestir-me
e seguir em frente?
tens a certeza que aguentavas
o meu ritmo
o meu caminho?
nunca me julgues
se és melhor do que eu
entrego-te a minha pele
se conseguires
eu parto de vez

na cobardia do que és

hoje tenho 500 anos
inflinges-me dores
nos ossos, na pele
e bem fundo
na alma
destrois-me
remexendo nas feridas
como tantos outros
lenta e pausadamente
consporcando-me inspirações
que me alimentam o ego
feliz?
obrigado pelo teu cuidado
oculto
eu estou despida
tu não te mostras
na cobardia do que és

sexta-feira, 9 de maio de 2008

vedo-te o meu mundo


vedo-te o meu mundo
a minha vida
fecho-te a minha porta
não tenho espaço
para ninguém
mal caibo no meu
deixa-me cuidar de mim
explorar as minhas grutas
onde procuro mil sóis
auroras boreais
serpentes acéfalas
estou certa que sozinha
encontrarei o meu filão

quinta-feira, 8 de maio de 2008

valores pessoais


suplantam-me os valores
que acumulo
uns atrás dos outros
admiro-os
em breve me farto
e recomeço o processo
da procura de outros
tão efémeros
como estes
e outros e outros
que me dêem
momentâneos prazeres
não
não abdico dos valores pessoais
desses não me desfaço

a que cheiram as despedidas?


as despedidas cheiram
à dor dos dias
de ausência
cheiram ao sal
das lágrimas que correm
no teu rosto
cheiram ao sabor
dos suspiros que se soltam
do meu peito
as despedidas breves
cheiram ao som
da cumplicidade
do nosso olhar
as outras
cheiram a poeira
que atafulha a garganta
sufocando a respiração

quarta-feira, 7 de maio de 2008

sulcas o mar


sulcas o mar
dos sobressaltos
com firmeza
o barco não aportará tão cedo
mas tem o rumo
que traçaste
segues a rota
certa
sem desvios
admites imprevistos
possíveis
explicáveis
mantens-te firme
até ao próximo porto

os poemas não são imutáveis


os poemas não são imutáveis
são pedaços de vida
vivida
imaginada
desejada
os poemas digerem-se
nos dias famintos
nos outros
não temos tempo
para ter fome
os poemas surgem
do nada
explodindo em letras
que nem combinam
os poemas sabem
a pouco
se de amor
são salgados
se de dor escorrida
os poemas toldam
os sentidos
arrastando o imaginário
nas flutuações
do espaço e das lembranças
os poemas perfeitos
amanhã não valem nada
quando os lermos
nas revoltas
momentâneas

hoje há teatro


entro no camarim
todos os dias
me olho no espelho
e tento corrigir
a minha pele
cubro os poros
com os pós
nas palpebras
coloco cor
nos lábios não toco
aliso o meu cabelo
e visto os adereços
para a peça de teatro
que é o dia
encarno a personagem
que crio diariamente
segura
feliz
dizem que inalcansável
em mimicas
que ainda não domino
no fim do espectáculo
limpo tudo
olho-me no espelho
e vejo-me cansada
dos aplausos da vida
amanhã há de novo
teatro

terça-feira, 6 de maio de 2008

tantas vezes te procurei

tantas vezes te procurei
na ilusão do momento
em que me esqueço
de quem és
fartei-me de contar
as vezes
em que te imagino
humano
não aprendo
a não te conhecer
lembro-me do tempo
em que te adivinhava
os pensamentos
hoje esqueço-me
de que não te conheço
de todo
e sobretudo
de que não vales
uma linha do que escrevo
mesmo assim
esqueço-me e cá estou eu
de novo
a escrever-te
procurando arrancar
a pele degenerada
que deixaste

segunda-feira, 5 de maio de 2008

os jornais não falam de nós


os jornais não falam de nós
falam de coisas
sem importância
de crimes
de sangue
de dor
em grandes parangonas
esquecem as coisas
belas
como as flores
e aqueles recantos bonitos
que todos temos
os jornais só tem uma cor
o vermelho
nós rodeamos-nos das outras
bem mais vivas e intensas
combinando-as como crianças
em experiências desconhecidas
não seguimos receitas
improvisamos a mistura
dos dias e das noites
e partimos
à descoberta de nós
nos cheiros e imagens
que antevemos
nos despertem os sentidos

encontraste-me nos dias de silêncios


encontraste-me nos dias
de silêncios
em que nos cruzávamos
sem ver
nos dias insuportáveis
partilhei segredos
desumanos
sentindo-me frágil
protegeste-me
insuflando-me vida
impedindo-me a morte
anunciada
surpreendendo-me os dias
amargos
em que invariavelmente
morria e acordava
para morrer de novo
confesso-te hoje que
os dias
já têm som
a estrada
começa a ter sentidos
que ainda tenho medo
de seguir
avanço com recuos
mas avanço
hoje és tu que estás aí
certamente
e só te posso agradecer
tudo o que fizeste
por mim



domingo, 4 de maio de 2008

hoje sou só mãe


hoje celebro
a minha maternidade
em pleno
hoje sou só mãe
e nada mais
sem complexos
sem culpas
com a certeza absoluta
de que sou
a melhor mãe do mundo
cá em casa claro!
(PS) às restantes melhores mães do mundo Parabéns

sábado, 3 de maio de 2008

hoje estou azul


hoje estou azul
em todos os seus tons
sinto-me da côr
do céu
do mar
de azul turquesa
mais precisamente
hoje sinto-me azul
primaveril
forte
hoje vou fotografar
o azul
que me rodeia
e guardá-lo
a sete chaves
para os dias em que
estou cinzenta

ao menos uma vez na vida


perto de céu
toco as nuvens suaves
recomeçamos a interrupção
do tempo
vive-me
ama-me
admira a minha pele
diz-me que te orgulhas
do que hoje sou
mente se quiseres
mas diz
que me perdoas
por ter tentado viver
que os laços permanecem
intactos
como outrora
nos confins do tempo
em que nenhum de nós
tinha incertezas
surpreende-me
diz que me amas
ao menos uma vez na vida

sexta-feira, 2 de maio de 2008

por opção ou karma


falo-te de mim
de tudo
o que não sinto
da cor da minha pele
tão indiferente
ao suor que
escorre incontrolado
envelheço lentamente
uns dias
noutros nem por isso
na pele
que hoje me resta
o cabelo teima em branquear
contrario esta tendência
como contrario tantas outras
castigo a minha pele
por ter perdido
a capacidade de amar
desencanto-me comigo
permanecendo egoisticamente só
por opção ou karma

quinta-feira, 1 de maio de 2008

troca de impressões


falamos de tudo um pouco
da vida
dos filhos
dos outros
esquecemo-nos de nós
sentamo-nos por breves instantes
descansando o corpo
fugindo do calor errante
ostentando com orgulho
a diferença das nossas convicções

fotografo-me num jogo



fotografo-me num jogo

de espelhos

de imagens desfocadas

estou num deles

em imagem invertida

onde procuro o meu reflexo